Informação com credibilidade

“Eu fui o primeiro e único nadador negro do Brasil a ganhar uma medalha olímpica”, afirma Edvaldo Valério

Edvaldo Valério Silva Filho, é nascido e criado em Salvador, no bairro de Itapoan. Ex-nadador, o “Bala”, como era chamado, conquistou diversos títulos ao longo da sua carreira como atleta: campeão baiano, norte-nordeste, brasileiro, sul-americano, pan-americano. A consagração veio nos jogos olímpios de Sidney, na Austrália, quando Valério conquistou a medalha de bronze no revezamento 4×100.

Em 2009, parou de nadar e desde então vem desenvolvendo trabalhos no meio esportivo, além de ministrar aulas. “Trabalhei com projeto social, onde me identifiquei bastante. Em 2013, montei uma escola de natação chamada “Centro Aquático Edvaldo Valério”, no qual a gente estabelecia parcerias com clubes sociais aqui de Salvador e ofertava aulas de natação sob a minha metodologia com preço acessível”, explica o ex-atleta. O projeto se mantém até hoje, embora seja administrado atualmente pela esposa de Valério. Isso porque em janeiro de 2019, ele assumiu uma função dentro da prefeitura de Salvador. De assessor chefe no gabinete do vice-prefeito de Salvador, Bruno Reis, ele passou para o cargo de gerente na Secretaria Municipal do Trabalho, Esportes e Lazer (Semtel). O “Bala”, que hoje se encontra totalmente absorvido no projeto da Arena Aquática Salvador, é um dos responsáveis principais responsáveis pela iniciativa, se não o principal deles.

Em entrevista exclusiva ao Bahia Sem Fronteiras, Edvaldo Valério falou sobre a carreira, sobre a Arena Aquática e também sobre política. Confira:

Bahia Sem Fronteiras – Como surgiu a ideia de Arena Aquática e de que forma você contribuiu para viabilização do projeto?

Edvaldo Valério – A minha história dentro do esporte me enriqueceu na questão de relacionamento e de amizades. Nessa troca de governo entre Dilma e Temer, entrou uma turma nova de secretários e o ex-nadador Luiz Lima foi nomeado secretário nacional de Esportes de Alto Rendimento. Ele nadou a mesma olimpíada que eu e a gente sempre teve uma amizade bacana. Coube a ele, depois que assumiu a Secretaria, destinar alguns equipamentos que foram usados nas olimpíadas do Rio em 2016. Luiz então me ligou para falar dessa possibilidade, eu ai disse que seria um golaço dele doar essa piscina para Salvador. Primeiro, que a gente tem uma dificuldade enorme de estrutura em Salvador. E segundo, que seria um grande legado olímpico. Tinha certeza que a prefeitura toparia a ideia e coube a mim intermediar essa interlocução. Falei com então secretário da Semtel, Jorge Khoury, que sinalizou positivamente. O prefeito topou na hora.

É uma piscina altamente tecnológica, que foge ao que tudo a gente já viu. Só para se ter uma ideia, o volume total de água que a gente tem a gente só perde 1% dela por semana. Hoje temos duas piscinas aqui. Uma olímpica e outra semiolímpica. O espaço, além de revelar novos atletas, também consegue abrigar grandes eventos. Recentemente recebemos o Norte /Nordeste, com 600 competidores e um público de 1500 pessoas. É uma piscina que Michael Phelps nadou, onde Michael Phelps bateu recordes.

O projeto atende pessoas de baixa renda. Existe alguma garantia nesse sentido?

Atendemos gente até de São Tomé de Paripe aqui. Tem crianças aqui quem vem de Alto de Coutos. Não temos diferencial de rico e pobre. A gente abre as inscrições que somente são feitas através do site. Não existe indicação política aqui dentro. Todos que estão aqui foram sorteados. Isso aqui é para a população. A ideia é revelar novos atletas e também criar oportunidade para pessoas que nunca tiveram oportunidade de nadar em uma piscina olímpica. Aqueles que forem se destacando ao longo dos 4 meses, eles serão convocados a fazer parte a fazer parte da equipe de competição. Já aqueles que não se destacaram vão abrir oportunidade para que outros também tenham a mesma chance. A cada 4 meses atendemos 700 alunos. Em um ano atendemos, no mínimo, 2000 pessoas!

De que forma você pode contribuir para que surjam novos “Edvaldos Valérios” por aqui?

Pela minha vivência que tive como atleta…A minha história profissional é bem improvável. Um garoto preto, pobre e com várias perspectivas contrárias de ser um cara campeão, consegui chegar no topo e alcançar um objetivo que para muitos seria improvável. Ninguém apostaria que um dia eu seria medalhista olímpico. Talvez, nem eu apostaria nisso.

Salvador, proporcionalmente, tem a população negra muito maior que a população branca. A parte pobre também é muito maior. Salvador tradicionalmente sempre revelou grande atletas. Temos aí Alan do Carmo e Ana Marcela, ambos soteropolitanos. Eu apareci como um cara que conquistou algo muito importante, mas tiveram outros antes e depois de Edvaldo Valério também. Claro que as proporções são bem distintas. Uma medalha olímpica é uma medalha olímpica. Alan, ao longo desses anos, vem conquistando títulos importantes, sendo campeão mundial e representando muito bem Salvador. Ana Marcela, então, nem se fala, foi campeã mundial agora. A Bahia sempre revela grandes atletas. O que a gente perdeu foi a possibilidade de manter esses atletas aqui. Hoje, temos condições de manter esses atletas aqui pela condição que a gente tem.

Falando em esporte amador, essa estrutura montada aqui é um ponto fora da curva. Como você vê a questão do esporte amador na Bahia?

Quando você me pergunta do esporte amador isso reflete justamente no que a gente pensa. Há uma diferença entre “esporte amador” e “esporte olímpico”. Além disso, temos outra vertente que nos dificulta muito que é a questão do futebol. Eu sou apaixonado por futebol, eu consumo futebol. Ligo a tv e está passando o programa de esporte que só fala de futebol, ou seja, a gente, na Bahia, tem atletas de vôlei, de ginastica, de judô, de karatê, mas na tV só passa futebol. Então, como um grande empresário terá sua marca atrelada à algum esportista olímpico se ele não tem espaço na mídia e a imagem dele não será mostrada e não vais ser vendida? Por essas questões culturais a gente não consegue potencializar o esporte aqui na Bahia.

Em sua opinião o que o poder público faz, ou deixa de fazer, é um reflexo dessa mentalidade?

Com certeza. E a gente também passa por essa lavagem cerebral. Quando você fala “esporte amador” você também está disseminando essa cultura. Precisamos desconstruir isso de forma mais incisiva e mais efetiva.

Como desconstruir isso?

Criando espaços, como você está fazendo aqui. Me dando oportunidade de mostrar o contrário. Isso já é o pontapé inicial. A luta é árdua, mas o importante é saber e divulgar que a Bahia sempre foi celeiro de grandes atletas. O próprio Izaquias na canoagem…Perdemos a chance de segurar esses atletas aqui porque não tínhamos estrutura. Se você for analisar friamente temos um ginásio somente e extremamente distante e pouco acessível. Pouco gente usufruindo dele. É difícil a gente revelar novos atletas da forma como o esporte vem sendo gerido. Precisamos mudar conceitos. Veja o exemplo do atletismo, um esporte barato. Para fazer atletismo, o cara corre na orla. A gente sempre está revelando grande corredores aí, só que a gente não potencializa isso. Você abre o jornal e não tem nada falando sobre esses esportes. Quando não é futebol da Bahia, é futebol de outros estados. Não se abre espaço para o desportista daqui de Salvador.

Você se sente valorizado?

Rapaz, não. De jeito nenhum. Não é soberba não… Se você analisar friamente, a conquista que eu tive foi extremamente importante e relevante. Eu fui o primeiro e único nadador negro do Brasil a ganhar uma medalha olímpica. Quantos anos têm que os jogos olímpicos acontecem? Desde 1896. E eu sou o único nadador negro do Brasil a ganhar uma medalha olímpica. Isso é emblemático.

Houve perda na mudança da estrutura olímpica da velha Fonte para essa que está aí agora?

Em todos os sentidos. A gente tinha, naquele antigo ginásio, vários complexos. Tinha o Balbininho, tinha o espaço embaixo onde o pessoal praticava karatê, boxes, ginástica… Então, a gente perdeu vários espaços onde várias modalidades eram trabalhadas. Fora a piscina. Foi criada uma outra piscina, mas com condições bem aquém. Se você for fazer um comparativo entre as duas piscinas a Arena Aquática Salvador da de mil a zero em tudo. Primeiro que a piscina lá da Bonocô é muito pouco acessível. Muita gente nem sabe que existe uma piscina lá. Fora a questão de estrutura: estacionamento, arquibancada, vestiário…

Com base nisso é possível dizer que o Governo do Estado, através da Secretaria do Trabalho, Emprego, Renda e Esporte (Setre), não tem dado uma atenção especial ao esporte como todo?

É possível, sim. Acho que alguns governantes ainda não tem um olhar diferenciado para essa ferramenta que é o esporte. Graças ao esporte estou aqui tendo a oportunidade de explicar a vocês sobre minha vivencia e a minha história. O esporte me trouxe vários benefícios e a gente ainda não se deu conta de quanto o esporte é importante para o desenvolvimento da sociedade. No esporte eu estabeleci amizades e, através delas até que eu estou aqui conversado com você sobre a Arena Aquática Salvador. O esporte educa, me educou bastante. Eu sempre fui um moleque que dei muita dor de cabeça a meu pai, mas nunca faltei com respeito. O esporte me mostrou educação em vários sentidos: de ganhar ou perder, como tratar o adversário…

Além disso, o esporte me proporcionou saúde e me tirou das ruas. Eu, por ter tido uma família de origem humilde, teria todas as possibilidades de ir ao um caminho oposto ao que eu trilhei.
Há uma diferenciação clara de gestão nas esferas municipal e estadual. Acho que o prefeito ACM Neto tem tido um olhar de certa forma carinhoso. Ele tem sempre inaugurado equipamentos esportivos, seja de ginástica, seja uma quadre de futebol, uma pista de skate… As gestões falam por si só, o olhar que está sendo dado para a parte esportiva.

Eu não e nem tenho pretensões políticas. Trabalho hoje de uma forma extremamente tranquila e segura em parceria com a prefeitura e com o prefeito ACM Neto.
Se você for lá na piscina pequena agora você poderá ver várias criancinhas. Pode até ser que não dê nada e nenhum saia como campeão, mas certamente o relato que tenho de vários pais são de coisas extremamente positivos.

Trabalhamos com alunos portadores de deficiência. Uma mãe de um desses alunos me chamou para dizer que o filho dela melhorou muito e me perguntou sobre a possibilidade de prorrogar a permanência dele. Quando ouço um relato desse eu vejo que de fato o equipamento está fazendo efeito. O cara não precisa ser campeão de tempo, medalha ou troféu. Tem que ser campeão da vida mesmo.

A Arena é vinculada à Semtel. O prefeito já sinalizou com a possibilidade de criar uma secretaria voltada especificamente ao esporte?

Acho difícil… Mas a Semtel tem dado um suporte bacana ao que a gente hoje desenvolve aqui. O prefeito também tem nos dados carta branca. E é isso que para mim torna o trabalho prazeroso. Eu venho de uma gestão privada, onde eu tinha minha empresa. Trabalhar no meio politico é bem desgastante. É diferente de tudo o que eu vivi, mas tem me enriquecido bastante a olhar o esporte e a gestão de um outro lado.

Como você vê uma possível mudança de governo em 2020. Qual a sua expectativa quanto a continuidade ou não do projeto? Existe alguma preocupação?

Preocupação há, pois qualquer mudança, ainda mais se não for da linha que o prefeito atualmente trilha, a gente passa a ficar preocupado. O prefeito tem meu voto aonde for e quem ele indicar também.